segunda-feira, 22 de outubro de 2012

TEMA: ADOÇÃO: Revista VEJA - Especial OnLine - ADOÇÃO



Efigênia tem 12 anos e, quando crescer, quer ser fotógrafa ou trabalhar com turismo. Gosta de “brincar” de basquete, vôlei, corrida e karaokê com as 11 crianças com quem vive, em uma casa espaçosa na zona sul de São Paulo. Apesar de dividirem um passado de abandono, violência, miséria e até abuso sexual, essas meninas e meninos não são irmãos de Efigênia – com exceção de duas delas, Sara e Valéria. O lar de todos eles é na verdade um abrigo sustentado pela Associação Maria Helen Drexel. Como Efigênia e seus 11 amigos, 80.000 crianças e adolescentes vivem nos milhares de abrigos espalhados pelo país à espera de uma família adotiva.

Há um ano, havia a expectativa de que esse número seria reduzido rapidamente, devido à criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que prometia dar agilidade à questão. No entanto, o balanço de um ano de vida do CNA não é animador. Apenas 2.307 crianças estão judicialmente aptas a ganhar uma nova família e 14.536 pretendentes a adotá-las constam do cadastro. Além disso, só 32 processos de adoção estão em andamento e o número de ações já efetivadas é reduzidíssimo: 15.

O Cadastro Nacional surgiu para tornar a busca por pais e filhos adotivos compatíveis mais fácil e rápida. Antes dele, quem pensava em adotar uma criança passava por um processo de seleção em seu estado; se surgia outra criança em outra unidade da federação, tinha de enfrentar novo processo – e assim por diante. Com o cadastro, uma única habilitação passou a ser válida para todo o país. Não funcionou, porém, e as adoções seguem sendo feitas estado a estado, fora da lista nacional. Segundo dados da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), somente na cidade de Goiânia, 90 crianças ou adolescentes ganharam famílias novas em 2008 graças aos mecanismos tradicionais.

“O cadastro é sem dúvida um avanço democrático, mas que ainda não foi implantado”, sintetiza Sávio Bittencourt, promotor de justiça do Rio de Janeiro. Vera Lucia Alves Cardoso, presidente da Angaad, ajuda a entender a questão: “O problema é que as crianças que estão inscritas no cadastro ou pertencem a grupos de irmãos ou têm problemas de saúde, fatores que dificultam a adoção”, diz.

Andréa Pachá, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e uma das idealizadoras do cadastro, acrescenta que a grande barreira à agilização dos processos são as restrições impostas pelos adotantes – homens e mulheres que buscam crianças. Trata-se da preferência por meninos e meninas com menos de três anos de idade, que representam menos de 6% do total de crianças e adolescentes no CNA. “Enquanto essa mentalidade não mudar teremos cada vez mais crianças com mais de quatro anos e adolescentes vivendo em abrigos”, conta Andréa. Uma pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ratifica a visão: 84% dos candidatos à adoção só se interessam por uma criança, descartando grupos de irmãos. Restrições de idade e cor também são fortes.

Fila - Nem todas as crianças que vivem em abrigos sob a guarda do estado podem ser adotadas. O processo é longo. Somente depois de esgotadas todas as possibilidades de recolocação dos menores de idade no ambiente de sua família de origem é que eles são considerados aptos à adoção. “A nossa grande dúvida é saber o que é menos complicado: insistir nessa recolocação ou destituir o poder familiar e disponibilizar a criança imediatamente para a adoção”, diz Andréa.

Segundo a AMB, pelo menos 8.000 das cerca de 80.000 crianças que vivem em instituições de apoio ou abrigos estão em condições de serem adotadas. Para o promotor Bittencourt, esse é um “claro sinal de que a visão de que o sangue fala mais alto deve acabar no sistema jurídico” – medida que daria agilidade aos processos. “Hoje temos ferramentas que podem nos dizer se aquela mãe ou pai biológicos com problemas tem condições de se reabilitar em curto prazo, evitando assim que crianças passem anos de suas vidas esquecidas em abrigos enquanto poderiam estar aptas para a adoção.”

A pesquisa da AMB revelou ainda que 57,9% dos 1.562 entrevistados em todo o país disseram espontaneamente que adotar uma criança seria uma forma de ajudar a mudar essa realidade. Entretanto, sob a opção de múltiplas respostas, apenas 15,5% disseram que adotariam de fato uma criança.

Por Luiz de França

Fonte: http://veja.abril.com.br/especiais_online/adocao/abre.html

    

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